segunda-feira, 25 de abril de 2011






CAPÍTULO I




Uma estreita estrada de chão batido subia e descia as colinas com os seus pastos verdejantes no interior da serra gaúcha. O Sol já despontara com todo o seu fulgor no horizonte e não havia uma viva alma percorrendo a via naquela manhã de sábado do dia 08 de dezembro de 2.007, com exceção de um automóvel BMW cinza–metálico que avançava ao longo do seu leito. Após ter passado por várias curvas não muito fechadas, o automóvel já se encontrava diante do portão que dava acesso à uma isolada fazenda de grandes alqueires e cercada pelos pinheirais que predominavam na região rural de Bento Gonçalves. Ouvindo o som das buzinas, um empregado da Fazenda Santa Rita correu em direção ao portão para abrí–lo. Logo o caminho estaria livre para que o BMW deslizasse suavemente pela alameda com os seus canteiros repletos de hortênsias até parar no estacionamento situado em frente a um antiquíssimo e belíssimo casarão de estilo italiano. Após desligar o CD em que ouvia uma balada romântica de Coldplay, a garota esguia com os seus longos cabelos aloirados jogados nas suas costas e vestida apenas com uma roupa básica se revelou diante da criada que lhe dera boas vindas antes de ajudá-la a carregar as bagagens. Quando adentrara pela ampla sala de estar decorada com alguns quadros originais dos pintores renascentistas que se destacavam nas paredes edificadas com pedras, a linda garota, no auge de seus vinte e três anos, caminhou sem pressa em direção ao sofá de veludo amarronzado e por onde se espreguiçou completamente exausta. Enquanto isso, a figura da pequenina senhora com o seu elegante tailleur azul-marinho e com os seus cabelos brancos formando um coque aproximava–se da jovem ao mesmo tempo em que exibia um afetuoso sorriso.
Bom dia, Bianca. Tu chegaste cedo demais. Queres que eu te sirva um café reforçado?
Não, Mirna, obrigada. O que eu mais desejo agora é repor as minhas energias numa cama qualquer. Reconheço que foi uma tortura permanecer sentada no banco do meu carro por um tempão desde Porto Alegre.
Também não é para menos. Tu não estás acostumada a te aventurar sozinha numa viagem como esta, guria!
O pior é essa dorzinha incômoda que estou sentindo nas costas... A propósito, como vão as coisas por aqui?
Melhor do que agora não poderia estar, Bianca. A colheita das uvas começou cedo na fazenda e fiquei sabendo que os últimos vinhos da safra antiga acabaram de sair das fábricas do teu pai para serem consumidos neste Natal. – respondeu a governanta com entusiasmo. – Por falar nisso, vou aproveitar e pedir uma garrafa de presente ao seu Miguel, pois eu mal posso esperar para “molhar a minha garganta”.
Tu estás viciada mesmo, hein, Mirna? – ria a jovem, para em seguida tomar carinhosamente a sua mão macia e estriada. – Mas tá legal. Eu fico feliz em saber que tudo está funcionando em pleno vapor, apesar de estar um tanto desligada com relação aos negócios da família.
Acho bom tu começares a te inteirar mais, pois um dia todas as vinícolas e esta fazenda serão tuas.
Dessa minha futura responsabilidade eu sei de cor e salteado, Mirna.
Erguendo–se do sofá, Bianca beijou a face enrugada da idosa.
Vou ao meu quarto descansar um pouco. Tu me avisas assim que o Alex e a minha turma chegarem?
Tudo bem, minha filha.
Enquanto a jovem subia a escada que acompanhava uma parede lateral, a governanta dirigiu–se à criada para perguntar– lhe se os quartos reservados aos hóspedes estavam devidamente arrumados. Após se atirar em sua cama, Bianca esticara o braço para abrir a gaveta de um pequeno criado–mudo, apanhando no seu interior uma fotografia na qual estava estampada a figura de um rapaz com características muito típicas dos descendentes de alemães. Ou seja, era bastante alto e loiro. Bianca nutria uma paixão tão intensa pelo namorado que contava ansiosamente os minutos que faltavam para revê–lo. Alex era considerado uma espécie de ídolo para a jovem que costumava provocar assédios constantes dos outros rapazes, a maioria pertencente às famílias ricas e tradicionais da sociedade de Porto Alegre devido à sua extrema beleza. Apesar de ser o centro das atenções masculinas, Bianca se considerava muito tímida e despreparada para experimentar novas emoções. Mas esse comportamento mudou desde o dia em que conhecera a sua cara–metade num ginásio de esportes onde se realizava uma partida de basquete com o time que representava a sua faculdade, lhe despertando um sentimento que praticamente removeu a sua antiga opinião sobre o amor. Não se arrependeu quando optou pela preferência em se relacionar com um rapaz simples e tendo o bom humor como uma espécie de marca registrada pessoal. E foi justamente por causa da condição social de Alex que o seu pai criou obstáculos a esse namoro, a ponto de proibir as visitas do rapaz ao apartamento de cobertura onde morava. Sentindo–se indignada com tamanho preconceito, Bianca desafiou a autoridade de seu pai ao continuar se encontrando com Alex às escondidas. Inclusive na fazenda, com a absoluta confiança dos amigos mais próximos e da governanta Mirna que sempre a estimou desde a sua mais tenra infância. No dia em que seus olhares se cruzaram pela primeira vez, quando acompanhava sozinha a partida de basquete na arquibancada, o rapaz simplesmente sentou ao seu lado para também torcer pelo seu time. A cada cesta que a equipe favorita fazia, Alex vibrava com uma alegria que acabou chamando a sua atenção. Algumas vezes ele também comentava com a jovem sobre os principais lances feitos pela equipe de basquetebol da faculdade que ganhara da equipe adversária com uma larga vantagem. Após o término da partida, Alex convidou Bianca para tomar um refrigerante na lanchonete do ginásio e durante o animado bate papo, ela descobrira que o rapaz viera sozinho do interior para trabalhar como enfermeiro num hospital público da capital gaúcha, onde sequer tinha amigos ou parentes a quem pudesse pedir abrigo. No final, decidiram combinar mais um encontro entre outros que surgiriam nesses oito meses seguintes, a ponto do rapaz conquistar o privilégio de frequentar a Fazenda Santa Rita durante os finais de semana na sua companhia e também dos amigos convidados como era de costume.
Abrindo os olhos repentinamente, Bianca despertou de seus devaneios quando ouviu os toques incessantes das buzinas que vinham do portão na entrada da fazenda. Da janela de seu quarto, pudera avistar dois automóveis que já trafegavam pela alameda. Ficara apreensiva quando não vira o automóvel de Alex, mas logo deduzira que o rapaz poderia ter viajado de carona com alguns de seus amigos. Sem esconder a empolgação, Bianca descia a escada de maneira apressada quando vira a governanta se preparando para fazer o caminho inverso.
Eles já chegaram, minha filha.
Eu já estou sabendo, Mirna. Muito obrigada.
Os veículos pararam no estacionamento em frente ao casarão e no local Bianca os aguardava com a ansiedade de rever aquela pessoa mais especial de sua vida. Os seus amigos convidados eram dois casais de namorados que também vieram de Porto Alegre. Vinícius era um freqüentador tarimbado da fazenda além de ser filho do vice–presidente das Vinícolas Rossetti. Ele viera juntamente com a namorada Amanda, uma sensual e extrovertida morena. O outro casal era formado por Christian, um jovem estudante universitário bastante tímido e Raquel, amiga de infância de Bianca. Mas esta, ao divisar toda a turma no interior dos automóveis de passeio, pudera perceber a ausência de Alex entre eles e o seu estado de euforia logo transformara–se numa apreensão sem fim.
Bom dia, Bianca. – Raquel a cumprimentou sorridente assim que desceu do automóvel de seu namorado. –Demoramos, mas finalmente aqui estamos. É que nós não conseguimos chegar a tempo por que o Christian errou o caminho para a fazenda.
Mas tiveram a sorte de toparem com a gente na estrada, senão a esta hora ainda estariam tentando descobrir o caminho! –Vinícius acrescentou após abrir a porta do sedã que dirigia.
Por mais incrível que isso possa parecer, já ocorreu um fato em que eu acabei me perdendo nesse labirinto de estradas, mesmo conhecendo a região na palma da minha mão. – Bianca confidenciou aos risos.
Mas a expressão de seu rosto mudara ao descobrir que aquele tão aguardado rapaz não se encontrava entre a turma de amigos.
Cadê o Alex? Ele não veio com vocês?
Bianca, eu tenho duas hipóteses que podem explicar o motivo do teu queridinho não estar entre nós. Ou ele se esqueceu do seu compromisso importantíssimo ou então resolveu ignorá– lo por causa de uma enfermeira bonitinha por quem provavelmente poderia ter se gamado no hospital onde trabalha. – Amanda justificou com uma inoportuna brincadeira.
Deixes de dizer bobagens, guria! –Vinícius interveio de maneira áspera para a namorada enquanto descansava o braço sobre o capô do seu veículo. – Infelizmente o Alex não pôde vir conosco, Bianca, porque surgiu um imprevisto de última hora. Nem preciso dizer do que se trata, não é? Mas ele me pediu para te avisar que daria um jeito em deslocar–se à fazenda ainda hoje e que tu não precisas ficar preocupada.
Puxa vida! –Bianca exclamou, chateada. – Eu até cheguei a pensar que o Alex tivesse vindo de carona com vocês, mas assim já é esperar demais. Bem, o que eu posso fazer? Não iria adiantar em nada ficar pegando no pé do Alex a todo instante.
Envolvida por um inevitável sentimento de frustração, Bianca não se vira preparada para sofrer tamanho golpe. O fato de estar sujeita a passar o final de semana sem a companhia do rapaz a deixava angustiada. Perdida em pensamentos, ela observava os jovens convidados retirarem as bagagens dos automóveis em meio às conversas paralelas. Fazia quase dez dias que se encontrou com o namorado pela última vez e era impossível esconder que sentia muita falta do calor de seus abraços apertados. Com um certo esforço, Bianca tentava demonstrar naturalidade diante dos amigos.
Muito bem.Que tal um bom banho de piscina para darmos início à nossa recreação? – ela sugeriu, disfarçando o estado emocional com um simpático sorriso.
Eu estava louca para fazer isso, Bianca. –Amanda dissera, bastante animada. – Um bom mergulho seria providencial para espantar o calorão desta manhã. Tu não concordas comigo, Vinícius?
Claro que eu concordo! E vamos todos cair naquela água agora mesmo se não quisermos derreter feitos picolés debaixo desse Sol escaldante.
Só deixas eu e a Raquel levarmos as bagagens ao nosso quarto antes de irmos à piscina.– Christian avisou, carregando uma mochila de viagem.
Vocês não precisam se incomodar com isso. – Bianca se colocou diante deles. – A Luzia se encarregará de levar as bagagens para os quartos em que irão pernoitar. A única coisa que vocês precisam fazer é pegarem seus trajes de banho.
Já que a Bianca faz tanta questão, então vamos aproveitar, né amor? – Raquel sorria para o namorado antes de voltar–se à jovem. – Tu poderias me emprestar o teu protetor solar, Bianca? É que eu acabei esquecendo de trazer o meu.
Sem problemas, Raquel. Tu já podes trocar–se no vestiário que eu vou pegar rapidinho.

O complexo de lazer que incluía a enorme piscina e a quadra de tênis estava situado no lado direito do estacionamento, sendo totalmente contornado por um muro branco de três metros de altura. Após vestir a sunga, Vinícius foi o primeiro a atirar–se na água morna seguido logo atrás por Amanda. O casal de namorados brincava para valer fazendo peripécias engraçadas como se ambos tivessem regressado à infância. Ao mesmo tempo, Bianca e outro casal descansavam seus corpos sobre as espreguiçadeiras de ratan instaladas sobre o deck da piscina.
Até parece que estamos assistindo à uma exibição de golfinhos durante um show aquático! – Raquel ironizou, divertindo–se com a festa protagonizada pelos jovens.
Fico observando a alegria deles com uma certa inveja, porque neste momento eu gostaria muito de estar me refrescando nessa piscina com o Alex. – Bianca confidenciou enquanto mantinha os olhares voltados para a farra do casal de namorados através das lentes escuras dos seus óculos. – Para que ele pudesse se planejar, eu fiz questão de convidá–lo com algumas semanas de antecedência. Mas o problema é que a sua carga de trabalho está tão intensa que a gente mal consegue se falar. Como se não bastasse, o Alex me pediu para não procurá–lo mais no hospital em virtude da marcação cerrada da tal enfermeira–chefe com relação às visitas íntimas dos funcionários. Mesmo não tendo nada contra a sua profissão que eu considero muito bonita por cuidar de vidas, não posso ignorar que me sinto bastante carente.
E tu achas que há uma possibilidade do Alex não ser liberado daquele hospital para comparecer ao nosso programinha na fazenda? – Raquel lhe perguntou.
Eu não sei... Todas as vezes que eu tentava falar com ele num horário em que supostamente estaria folgado apenas para lembrá–lo do meu convite, o seu celular sempre dava caixa postal. Quando finalmente retornou a minha ligação, o Alex me explicou que costumava deixar o celular desligado para não interromper o seu trabalho. Pelo menos eu pude ficar tranquila depois que ele confirmou presença aqui na fazenda além de matar a saudade de sua voz irresistível.
Deus do céu, Bianca! Eu vejo que tu estás completamente apaixonada por esse cara. Se fosse qualquer outra guria, já teria se cansado e “pulado fora”. – a outra exclamou, impressionada.
Não vou negar que eu amo o Alex. Amo tanto que até o perdoei quando ele me pediu desculpas por não poder me dar muita atenção. Era o mínimo que eu podia fazer, pois já sabia desde o início que o nosso namoro seria assim, à distância. – disse Bianca, sem conseguir esconder a insatisfação.
Mas hoje com certeza será diferente. Esqueceste do recado que o Vinícius te mandou, dizendo que o Alex viajaria ainda hoje para a fazenda? É só tu teres um pouquinho de paciência que ele logo estará aí, bem diante dos teus olhos. – Raquel procurava animar a jovem que agradecia o seu incentivo com um meio–sorriso.
Neste ínterim, Amanda subira ao deck, exibindo as curvas perfeitas de seu corpo realçadas pelo biquíni rosa–choque enquanto se deslocava em direção aos jovens.
Eu não acredito que vocês três vão continuar aí sem fazerem nada ao invés de curtirem essa água deliciosa conosco!
É o que pretendemos, Amanda, mas existe um probleminha. O “trânsito” está tão intenso na piscina que nós estamos aguardando a “liberação do tráfego” para podermos mergulhar. – Raquel justificou com a piada, esbaldando–se numa risada compartilhada por Bianca.
De súbito, Amanda lançou o seu olhar para Christian que se encontrava deitado ao lado das jovens e lendo um livro de histórias cujo conteúdo narrava sobre os derradeiros dias do continente perdido de Atlântida. Num gesto de indelicadeza, ela arrancou o livro das mãos do rapaz e agarrando–lhe pelo braço, logo o forçou a acompanhá–la para o seu total espanto.
Amanda... Para onde estás me levando? Essa área da
piscina onde vocês estão se banhando é muito profunda e eu não sei nadar direito.
Não seja por isso, Christian. Venhas comigo que o Vinícius irá te ensinar alguns truques básicos da natação. – disse ela, já o conduzindo com a água cobrindo a sua cintura.
E para começar, tires estes óculos. Senão eles vão acabar caindo no fundo da piscina. –Vinícius lhe avisara em voz alta.
Nem foi preciso para Christian acatar esse pedido porque Amanda se dispôs a retirar as lentes diante dos seus olhos e em seguida depositá–las sobre o deck. Erguendo as costas da espreguiçadeira, Raquel acompanhava tudo o que sucedia com apreensão porque sabia que o namorado nunca se dirigiu para além da parte rasa daquela piscina. No início da “aula”, Vinícius segurava o seu corpo enquanto lhe pedia para realizar alguns movimentos com o objetivo de exercitar a sua coordenação motora.
Mexas os braços e as pernas com mais velocidade agora, Christian. Rápido! – ele ordenou, submetendo o rapaz à um esforço extra.
É isso aí, Christian! Continuas assim que tu irás conseguir, meu querido! – Amanda vibrava como se o rapaz estivesse participando de um evento esportivo.
Mesmo contra a vontade, Christian fazia o que a sua capacidade física poderia suportar dando sucessivas braçadas na água além de trabalhar o músculo das pernas.
Muito bem, cara. Parece que tu aprendeste rapidinho. Te preparas que eu irei soltá–lo agora.
Depois de abandonar o seu corpo de forma gradual, Vinícius nadou em direção à Amanda que o recompensou com um beijo ardente nos lábios. Ele estava tão convencido do cumprimento de sua missão que o seu maior interesse naquele momento era deliciar-se com os encantos da namorada enquanto Christian, sozinho no meio da piscina, tentava de todas as formas possíveis sair do mesmo lugar até o cansaço lhe pregar uma peça devido ao grande esforço exigido.
Vinícius...Me tiras daqui... Eu não estou conseguindo...
Qual é, Christian? Eu te ensinei direitinho as “manhas” da natação e agora tu terás que te safar por conta própria, entendeste? – avisou–lhe Vinícius num tom sarcástico. – Se eu aprendi a nadar na maior moleza, isso quer dizer que tu poderias muito bem desafiar os teus próprios limites.
Por favor, Vinícius! Não estás percebendo que o Christian está quase afundando? Ele realmente não está conseguindo nadar e se tu não fizeres alguma coisa logo poderá acontecer uma tragédia. Eu estou falando sério, Vinícius! – gritava Raquel, sentindo–se impotente diante do desespêro do namorado.
Parece que ele não tá conseguindo mesmo, Vinícius. É melhor tu tirá–lo rapidamente da piscina. – Amanda também reconheceu a sua dificuldade.
Está bem! Está bem! Já vi que esse cara nunca se interessou em virar peixe uma vez na vida.
Atendendo as súplicas, Vinícius nadou até a parte central da piscina para socorrer Christian e conduzí–lo à margem quase desmaiado e ofegante. Preocupadas, Raquel e Bianca correram para ajudar o rapaz a subir ao deck. As duas puxaram seus membros com firmeza e acompanhado da namorada, Christian se deslocou até o vestiário. Passado o momento de tensão, Bianca dirigiu–se ao inconseqüente casal de namorados.
Vocês não deveriam ter feito aquilo. Ele poderia ter se afogado.
A gente só estava a fim de se divertir um pouco com o cara, Bianca. Não fizemos por mal. – Vinícius justificou.
Tão logo a garota se afastou, eles continuaram a gastar as energias na piscina como se nada tivesse ocorrido.
Acometido por uma ligeira tontura, Christian fôra conduzido pelas jovens para a imensa varanda com o piso forrado de ladrilhos. Quando chegaram no local, Bianca sugeriu acomodá–lo numa rede preguiçosa e em seguida mandou providenciar um copo de água. O rapaz não parava de tossir e ainda trêmula por causa do incidente, Raquel agachara–se ao seu lado a fim de prestar–lhe os devidos cuidados.
Não seria melhor chamar um médico?
Obrigado, Bianca, mas creio que não será necessário pois eu já estou conseguindo respirar melhor.
Eu nunca vi uma brincadeira tão estúpida e de tamanho mau gosto. Sinto–me revoltada. – disse Raquel.
E por muito pouco poderia ter ocorrido algo pior, se o Vinícius não tivesse socorrido o Christian a tempo. – Bianca acrescentou.
Tudo bem, meninas, vamos esquecer o que passou. Eles podem ter exagerado na brincadeira, mas eu relevo numa boa. Às vezes tomar um susto é necessário quando se trata de sair um pouco da rotina. – Christian comentou num tom humorado.
É impressionante esse teu jeito tranqüilo mesmo depois de passar por um sufoco como aquele. Por isso que eu te amo e te adoro cada vez mais. – Raquel confidenciou, beijando–lhe rapidamente os lábios.
Mas Christian queria provar um pouco mais do sabor desse beijo, fazendo a cabeça da namorada se aproximar do seu rosto ao envolver de forma delicada a mão esquerda na sua nuca descoberta. Afagando–lhe os cabelos curtos e vermelhos, o rapaz fazia questão de demonstrar a sua imensa paixão pela jovem. Enquanto testemunhava essa doce e pura harmonia, Bianca sentira uma enorme solidão assim que a lembrança de Alex viera novamente à tona. Sem falar que, dentre os jovens presentes, ela era a única que estava sem uma alma gêmea que pudesse lhe transmitir as mais diversas emoções. Para não atrapalhar a intimidade do casal, Bianca virou as costas e os deixou a sós quando Christian, ao vê-la se afastando e como se adivinhasse os seus pensamentos, chamou–lhe a atenção.
Que tal se tu fores acompanhar a Raquel para um passeio à cavalo pela fazenda, Bianca? Hoje está fazendo um excelente dia e garanto que essa minha guria não vai ficar muito tempo sem fazer o que mais gosta.
Como assim, Christian? Tu estás querendo que eu vá... Mas tu não precisas de mim? – Raquel questionava, demonstrando surpresa.
Não tem nenhum problema, amor. Creio que ainda irá demorar para me recuperar totalmente dessa sensação de cansaço, mas isso não significa que tu terias que abrir mão do teu lazer por minha causa.
Bom, realmente eu devo admitir que está fazendo uma bela manhã para uma cavalgada, mas a decisão de me acompanhar ou não à este passeio fica a critério da Raquel. – Bianca opinou sem querer se intrometer.
Depois de pensar brevemente, no final a jovem terminou por acatar a sugestão do namorado.
Está bem, Christian, tu tens razão. Eu mesma vivia te dizendo que andar de cavalo era o meu programa favorito nesta fazenda. Tchau, amor, se pintar algum problema, é só tu falares com a Mirna, está OK?
Podes ficar tranquila, querida. Aos poucos eu já estarei me sentindo mais disposto.

Minutos depois, as duas jovens caminhavam juntas através de uma trilha pavimentada com lajotas que se estendia ao longo do declive e que terminava no estábulo.
Não me sai da cabeça aquele risinho maldoso do Vinícius enquanto o Christian se debatia como um louco na piscina. Por um momento eu pensei que ele desejava o pior ao meu namorado e desconfio que a principal razão dessa birra seria o fato da Amanda estar sempre lhe paparicando. – Raquel concluiu. – Eu não nego que também sinto ciúmes quando vejo o Christian com aquela guria, mas não chegaria ao ponto de deixá–la se afogar na piscina de propósito caso a situação fosse outra.
Se fosse o Christian, eu tomaria cuidado e ficaria o mais distante possível da Amanda para evitar atritos desnecessários.– Bianca observou. – Digo isso porque certa vez eu peguei o Vinícius lhe fitando de uma maneira tão atravessada que me assustou, como se pretendesse puxar briga. Apesar do seu temperamento difícil, ele nunca criou qualquer problema desde que começou a frequentar essa fazenda com a Amanda por sugestão dos meus pais. Mas para dizer a verdade, eu costumo convidar os dois em retribuição ao favor que estão me fazendo em manterem sigilo sobre os meus encontros com o Alex. O Vinícius pode até ter mil defeitos, mas eu gosto dele por ser irreverente como o meu namorado.
Após subirem no lombo dos dois cavalos de raça com seus pêlos brilhantes e caprichosamente escovados pelos empregados da fazenda, elas logo partiram em direção aos vastos campos. À medida que cavalgavam, puderam contemplar a paisagem representada pelos límpidos riachos existentes e pelos parreirais no horizonte. Encantada com a beleza bucólica do lugar, Raquel voltou–se para Bianca quando pudera notar a sua expressão melancólica.
Eu nem preciso adivinhar o que se passa nessa tua cabecinha. Aposto que tu continuas pensando no Alex.
É o que vivo fazendo com frequência. – Bianca respondeu enquanto segurava as rédeas de seu cavalo de estimação. – Não sei se é impressão minha, mas eu sinto que o Alex anda muito diferente comigo, como se estivesse me evitando. Seria mais fácil culpar os afazeres no hospital que vem tomando a maior parte de seu tempo livre, só que eu não tenho certeza se o motivo é realmente esse. É muito complicado tentar entender como funciona essa rotina dos profissionais da saúde e às vezes me bate uma dó danada do Alex pelo fato de não poder usufruir de algum descanso. Mas em compensação, o que me enche de esperança é que eu terei a chance de poder vê–lo ainda hoje na fazenda.
Eu me coloco no teu lugar e posso compreender muito bem o que tu estás sentindo. – Raquel afirmou, sensibilizada. – Imagino que para ti deveria ser um tremendo suplício saber lidar com uma situação como essa. Mas por outro lado, já paraste para pensar na angústia que o Alex também sente por não poder falar contigo devido às inúmeras obrigações que teria de cumprir naquele hospital? Afinal, um funcionário da saúde precisa estar sempre disponível durante as vinte e quatro horas do dia para atender à uma eventual emergência médica e não é nenhum segredo que a vida deste tipo de profissional é bastante corrida. Que o diga a minha irmã que também faz parte do “time”!
Fico preocupada só de imaginar o tamanho do stress que o Alex deveria estar se submetendo, ainda mais em se tratando de um enfermeiro mal remunerado que vive subordinado às ordens dos médicos graduados e mais experientes. Apesar das dificuldades, as pessoas que exercem a profissão do Alex precisam demonstrar muito equilíbrio para não sucumbirem à pressão. Confesso que essa foi a característica que mais me atraiu nele, que me faz amá–lo loucamente. Mas as circunstâncias me obrigam a reconhecer às duras penas que ser sentimental demais também tem o seu preço. – Bianca concluiu, desanimada.
Sabes qual é o teu problema? Tu estás sofrendo de uma carência afetiva muito típica das gurias cujos namorados sempre se encontram ausentes por motivos profissionais. Como tu acabaste de dizer, esse é o preço que se paga em nome do amor. Mas isso não é o fim do mundo e se queres o meu conselho, Bianca, esqueças o Alex nem que seja um pouquinho e procures te distrair com essas paisagens de tirar o fôlego.
Metade da propriedade, considerada uma das maiores da região, estava tomada pelos parreirais que se estendiam até a cerca que delimitava a área. Vários trabalhadores se ocupavam com a colheita das uvas e para atender à curiosidade das duas amigas que vieram inspecionar informalmente a atividade, um empregado exibia orgulhoso o seu cesto repleto de cachos. Quando faltavam poucos minutos para o meio–dia, elas retornaram para a sede da Fazenda Santa Rita de modo que as suas faces apresentavam–se avermelhadas pela exposição aos raios solares e umedecidas pelo suor.
Este passeio valeu a pena. O ar puro desse lugar faz–me sentir renovada. – Raquel confidenciou com um sorriso de satisfação ao descer do lombo do animal. – Vou aproveitar e dar uma olhada no Christian. Tu poderias guardar o meu cavalo para mim, Bianca?
Tudo bem. Podes deixar por minha conta.
Os dois cavalos de raça foram conduzidos para as baias pela jovem garota que em seguida lhes oferecera ração à base de proteínas, um hábito que sempre tivera prazer de praticar desde criança. Com as mãos prendendo os cabelos úmidos, Bianca já subia a trilha de lajotas em direção ao casarão. Mas durante o trajeto, as suas atenções foram atraídas por uma algazarra e após deslocar–se alguns passos mais à frente, pudera perceber que se tratava de uma discussão acalorada. No momento em que virou o rosto para o suntuoso jardim no seu lado esquerdo, ela descobriu as figuras deVinícius e Amanda bem próximos a um antigo chafariz e que por sinal, estavam com os ânimos bastante exaltados.
Essa não! De novo?”, Bianca murmurou, fazendo uma careta.
Praticamente se transformaram numa rotina os desentendimentos entre o casal de namorados durante os encontros na fazenda e enquanto testemunhava o incidente, a jovem podia divisar a expressão odiosa de Vinícius que levantava os seus braços para cima de forma descontrolada. Por sua vez, Amanda apontou um dedo acusador e proferiu palavras de baixo calão ao rapaz que irritado, a esbofeteou. Apreensiva, Bianca ainda ouvira Vinícius chamar de traidora a namorada que gritava e batia com os punhos fechados contra o seu tórax.
Eu te odeio! Eu te odeio, seu cachorro!
Para conter a fúria de Amanda, ele agarrara seus braços com firmeza. As discussões recomeçaram e em meio à essa guerra de nervos, Bianca mal conseguia acompanhar as suas falas rápidas. Apesar de ficar impressionada com a violenta briga que fôra motivada por ciúmes, Bianca decidiu não intervir e voltou a caminhar até o casarão.
Não muito longe dali, mais precisamente além dos domínios do grande jardim, existia um bosque com mata fechada. Escondido entre as suas plantas, uma figura não identificada parecia espionar os jovens. Essa mesma figura permaneceu imóvel durante um certo tempo até que finalmente se afastou, provocando um intenso barulho nas folhagens enquanto se embrenhava no interior da abundante vegetação. Quem seria? O que estaria fazendo nas redondezas?