Coração Perverso
domingo, 15 de julho de 2012
segunda-feira, 25 de abril de 2011
CAPÍTULO I
Uma
estreita estrada de chão batido subia e descia as colinas com os
seus pastos verdejantes no interior da serra gaúcha. O Sol já
despontara com todo o seu fulgor no horizonte e não havia uma viva
alma percorrendo a via naquela manhã de sábado do dia 08 de
dezembro de 2.007, com exceção de um automóvel BMW cinza–metálico
que avançava ao longo do seu leito. Após ter passado por várias
curvas não muito fechadas, o automóvel já se encontrava diante do
portão que dava acesso à uma isolada fazenda de grandes alqueires e
cercada pelos pinheirais que predominavam na região rural de Bento
Gonçalves. Ouvindo o som das buzinas, um empregado da Fazenda Santa
Rita correu em direção ao portão para abrí–lo. Logo o caminho
estaria livre para que o BMW deslizasse suavemente pela alameda com
os seus canteiros repletos de hortênsias até parar no
estacionamento situado em frente a um antiquíssimo e belíssimo
casarão de estilo italiano. Após desligar o CD em que ouvia uma
balada romântica de Coldplay, a garota esguia com os seus longos
cabelos aloirados jogados nas suas costas e vestida apenas com uma
roupa básica se revelou diante da criada que lhe dera boas vindas
antes de ajudá-la a carregar as bagagens. Quando adentrara pela
ampla sala de estar decorada com alguns quadros originais dos
pintores renascentistas que se destacavam nas paredes edificadas com
pedras, a linda garota, no auge de seus vinte e três anos, caminhou
sem pressa em direção ao sofá de veludo amarronzado e por onde se
espreguiçou completamente exausta. Enquanto isso, a figura da
pequenina senhora com o seu elegante tailleur
azul-marinho
e com os seus cabelos brancos formando um coque aproximava–se da
jovem ao mesmo tempo em que exibia um afetuoso sorriso.
– Bom
dia, Bianca. Tu chegaste cedo demais. Queres que eu te sirva um café
reforçado?
– Não,
Mirna, obrigada. O que eu mais desejo agora é repor as minhas
energias numa cama qualquer. Reconheço que foi uma tortura
permanecer sentada no banco do meu carro por um tempão desde Porto
Alegre.
– Também
não é para menos. Tu não estás acostumada a te aventurar sozinha
numa viagem como esta, guria!
– O
pior é essa dorzinha incômoda que estou sentindo nas costas... A
propósito, como vão as coisas por aqui?
– Melhor
do que agora não poderia estar, Bianca. A colheita das uvas começou
cedo na fazenda e fiquei sabendo que os últimos vinhos da safra
antiga acabaram de sair das fábricas do teu pai para serem
consumidos neste Natal. – respondeu a governanta com entusiasmo. –
Por falar nisso, vou aproveitar e pedir uma garrafa de presente ao
seu Miguel, pois eu mal posso esperar para “molhar a minha
garganta”.
– Tu
estás viciada mesmo, hein, Mirna? – ria a jovem, para em seguida
tomar carinhosamente a sua mão macia e estriada. – Mas tá legal.
Eu fico feliz em saber que tudo está funcionando em pleno vapor,
apesar de estar um tanto desligada com relação aos negócios da
família.
– Acho
bom tu começares a te inteirar mais, pois um dia todas as vinícolas
e esta fazenda serão tuas.
– Dessa
minha futura responsabilidade eu sei de cor e salteado, Mirna.
Erguendo–se
do sofá, Bianca beijou a face enrugada da idosa.
– Vou
ao meu quarto descansar um pouco. Tu me avisas assim que o Alex e a
minha turma chegarem?
– Tudo
bem, minha filha.
Enquanto
a jovem subia a escada que acompanhava uma parede lateral, a
governanta dirigiu–se à criada para perguntar– lhe se os quartos
reservados aos hóspedes estavam devidamente arrumados. Após se
atirar em sua cama, Bianca esticara o braço para abrir a gaveta de
um pequeno criado–mudo, apanhando no seu interior uma fotografia na
qual estava estampada a figura de um rapaz com características muito
típicas dos descendentes de alemães. Ou seja, era bastante alto e
loiro. Bianca nutria uma paixão tão intensa pelo namorado que
contava ansiosamente os minutos que faltavam para revê–lo. Alex
era considerado uma espécie de ídolo para a jovem que costumava
provocar assédios constantes dos outros rapazes, a maioria
pertencente às famílias ricas e tradicionais da sociedade de Porto
Alegre devido à sua extrema beleza. Apesar de ser o centro das
atenções masculinas, Bianca se considerava muito tímida e
despreparada para experimentar novas emoções. Mas esse
comportamento mudou desde o dia em que conhecera a sua cara–metade
num ginásio de esportes onde se realizava uma partida de basquete
com o time que representava a sua faculdade, lhe despertando um
sentimento que praticamente removeu a sua antiga opinião sobre o
amor. Não se arrependeu quando optou pela preferência em se
relacionar com um rapaz simples e tendo o bom humor como uma espécie
de marca registrada pessoal. E foi justamente por causa da condição
social de Alex que o seu pai criou obstáculos a esse namoro, a ponto
de proibir as visitas do rapaz ao apartamento de cobertura onde
morava. Sentindo–se indignada com tamanho preconceito, Bianca
desafiou a autoridade de seu pai ao continuar se encontrando com Alex
às escondidas. Inclusive na fazenda, com a absoluta confiança dos
amigos mais próximos e da governanta Mirna que sempre a estimou
desde a sua mais tenra infância. No dia em que seus olhares se
cruzaram pela primeira vez, quando acompanhava sozinha a partida de
basquete na arquibancada, o rapaz simplesmente sentou ao seu lado
para também torcer pelo seu time. A cada cesta que a equipe favorita
fazia, Alex vibrava com uma alegria que acabou chamando a sua
atenção. Algumas vezes ele também comentava com a jovem sobre os
principais lances feitos pela equipe de basquetebol da faculdade que
ganhara da equipe adversária com uma larga vantagem. Após o término
da partida, Alex convidou Bianca para tomar um refrigerante na
lanchonete do ginásio e durante o animado bate papo, ela descobrira
que o rapaz viera sozinho do interior para trabalhar como enfermeiro
num hospital público da capital gaúcha, onde sequer tinha amigos ou
parentes a quem pudesse pedir abrigo. No final, decidiram combinar
mais um encontro entre outros que surgiriam nesses oito meses
seguintes, a ponto do rapaz conquistar o privilégio de frequentar a
Fazenda Santa Rita durante os finais de semana na sua companhia e
também dos amigos convidados como era de costume.
Abrindo
os olhos repentinamente, Bianca despertou de seus devaneios quando
ouviu os toques incessantes das buzinas que vinham do portão na
entrada da fazenda. Da janela de seu quarto, pudera avistar dois
automóveis que já trafegavam pela alameda. Ficara apreensiva quando
não vira o automóvel de Alex, mas logo deduzira que o rapaz poderia
ter viajado de carona com alguns de seus amigos. Sem esconder a
empolgação, Bianca descia a escada de maneira apressada quando vira
a governanta se preparando para fazer o caminho inverso.
– Eles
já chegaram, minha filha.
– Eu
já estou sabendo, Mirna. Muito obrigada.
Os
veículos pararam no estacionamento em frente ao casarão e no local
Bianca os aguardava com a ansiedade de rever aquela pessoa mais
especial de sua vida. Os seus amigos convidados eram dois casais de
namorados que também vieram de Porto Alegre. Vinícius era um
freqüentador tarimbado da fazenda além de ser filho do
vice–presidente das Vinícolas Rossetti. Ele viera juntamente com a
namorada Amanda, uma sensual e extrovertida morena. O outro casal era
formado por Christian, um jovem estudante universitário bastante
tímido e Raquel, amiga de infância de Bianca. Mas esta, ao divisar
toda a turma no interior dos automóveis de passeio, pudera perceber
a ausência de Alex entre eles e o seu estado de euforia logo
transformara–se numa apreensão sem fim.
– Bom
dia, Bianca. – Raquel a cumprimentou sorridente assim que desceu do
automóvel de seu namorado. –Demoramos, mas finalmente aqui
estamos. É que nós não conseguimos chegar a tempo por que o
Christian errou o caminho para a fazenda.
– Mas
tiveram a sorte de toparem com a gente na estrada, senão a esta hora
ainda estariam tentando descobrir o caminho! –Vinícius acrescentou
após abrir a porta do sedã que dirigia.
– Por
mais incrível que isso possa parecer, já ocorreu um fato em que eu
acabei me perdendo nesse labirinto de estradas, mesmo conhecendo a
região na palma da minha mão. – Bianca confidenciou aos risos.
Mas
a expressão de seu rosto mudara ao descobrir que aquele tão
aguardado rapaz não se encontrava entre a turma de amigos.
– Cadê
o Alex? Ele não veio com vocês?
– Bianca,
eu tenho duas hipóteses que podem explicar o motivo do teu
queridinho não estar entre nós. Ou ele se esqueceu do seu
compromisso importantíssimo ou então resolveu ignorá– lo por
causa de uma enfermeira bonitinha por quem provavelmente poderia ter
se gamado no hospital onde trabalha. – Amanda justificou com uma
inoportuna brincadeira.
– Deixes
de dizer bobagens, guria! –Vinícius interveio de maneira áspera
para a namorada enquanto descansava o braço sobre o capô do seu
veículo. – Infelizmente o Alex não pôde vir conosco, Bianca,
porque surgiu um imprevisto de última hora. Nem preciso dizer do que
se trata, não é? Mas ele me pediu para te avisar que daria um jeito
em deslocar–se à fazenda ainda hoje e que tu não precisas ficar
preocupada.
– Puxa
vida! –Bianca exclamou, chateada. – Eu até cheguei a pensar que
o Alex tivesse vindo de carona com vocês, mas assim já é esperar
demais. Bem, o que eu posso fazer? Não iria adiantar em nada ficar
pegando no pé do Alex a todo instante.
Envolvida
por um inevitável sentimento de frustração, Bianca não se vira
preparada para sofrer tamanho golpe. O fato de estar sujeita a passar
o final de semana sem a companhia do rapaz a deixava angustiada.
Perdida em pensamentos, ela observava os jovens convidados retirarem
as bagagens dos automóveis em meio às conversas paralelas. Fazia
quase dez dias que se encontrou com o namorado pela última vez e era
impossível esconder que sentia muita falta do calor de seus abraços
apertados. Com um certo esforço, Bianca tentava demonstrar
naturalidade diante dos amigos.
– Muito
bem.Que tal um bom banho de piscina para darmos início à nossa
recreação? – ela sugeriu, disfarçando o estado emocional com um
simpático sorriso.
– Eu
estava louca para fazer isso, Bianca. –Amanda dissera, bastante
animada. – Um bom mergulho seria providencial para espantar o
calorão desta manhã. Tu não concordas comigo, Vinícius?
– Claro
que eu concordo! E vamos todos cair naquela água agora mesmo se não
quisermos derreter feitos picolés debaixo desse Sol escaldante.
– Só
deixas eu e a Raquel levarmos as bagagens ao nosso quarto antes de
irmos à piscina.– Christian avisou, carregando uma mochila de
viagem.
– Vocês
não precisam se incomodar com isso. – Bianca se colocou diante
deles. – A Luzia se encarregará de levar as bagagens para os
quartos em que irão pernoitar. A única coisa que vocês precisam
fazer é pegarem seus trajes de banho.
– Já
que a Bianca faz tanta questão, então vamos aproveitar, né amor? –
Raquel sorria para o namorado antes de voltar–se à jovem. – Tu
poderias me emprestar o teu protetor solar, Bianca? É que eu acabei
esquecendo de trazer o meu.
– Sem
problemas, Raquel. Tu já podes trocar–se no vestiário que eu vou
pegar rapidinho.
O
complexo de lazer que incluía a enorme piscina e a quadra de tênis
estava situado no lado direito do estacionamento, sendo totalmente
contornado por um muro branco de três metros de altura. Após vestir
a sunga, Vinícius foi o primeiro a atirar–se na água morna
seguido logo atrás por Amanda. O casal de namorados brincava para
valer fazendo peripécias engraçadas como se ambos tivessem
regressado à infância. Ao mesmo tempo, Bianca e outro casal
descansavam seus corpos sobre as espreguiçadeiras de ratan
instaladas sobre o deck
da
piscina.
– Até
parece que estamos assistindo à uma exibição de golfinhos durante
um show aquático! – Raquel ironizou, divertindo–se com a festa
protagonizada pelos jovens.
– Fico
observando a alegria deles com uma certa inveja, porque neste momento
eu gostaria muito de estar me refrescando nessa piscina com o Alex. –
Bianca confidenciou enquanto mantinha os olhares voltados para a
farra do casal de namorados através das lentes escuras dos seus
óculos. – Para que ele pudesse se planejar, eu fiz questão de
convidá–lo com algumas semanas de antecedência. Mas o problema é
que a sua carga de trabalho está tão intensa que a gente mal
consegue se falar. Como se não bastasse, o Alex me pediu para não
procurá–lo mais no hospital em virtude da marcação cerrada da
tal enfermeira–chefe com relação às visitas íntimas dos
funcionários. Mesmo não tendo nada contra a sua profissão que eu
considero muito bonita por cuidar de vidas, não posso ignorar que me
sinto bastante carente.
– E
tu achas que há uma possibilidade do Alex não ser liberado daquele
hospital para comparecer ao nosso programinha na fazenda? – Raquel
lhe perguntou.
– Eu
não sei... Todas as vezes que eu tentava falar com ele num horário
em que supostamente estaria folgado apenas para lembrá–lo do meu
convite, o seu celular sempre dava caixa postal. Quando finalmente
retornou a minha ligação, o Alex me explicou que costumava deixar o
celular desligado para não interromper o seu trabalho. Pelo menos eu
pude ficar tranquila depois que ele confirmou presença aqui na
fazenda além de matar a saudade de sua voz irresistível.
– Deus
do céu, Bianca! Eu vejo que tu estás completamente apaixonada por
esse cara. Se fosse qualquer outra guria, já teria se cansado e
“pulado fora”. – a outra exclamou, impressionada.
– Não
vou negar que eu amo o Alex. Amo tanto que até o perdoei quando ele
me pediu desculpas por não poder me dar muita atenção. Era o
mínimo que eu podia fazer, pois já sabia desde o início que o
nosso namoro seria assim, à distância. – disse Bianca, sem
conseguir esconder a insatisfação.
– Mas
hoje com certeza será diferente. Esqueceste do recado que o Vinícius
te mandou, dizendo que o Alex viajaria ainda hoje para a fazenda? É
só tu teres um pouquinho de paciência que ele logo estará aí, bem
diante dos teus olhos. – Raquel procurava animar a jovem que
agradecia o seu incentivo com um meio–sorriso.
Neste
ínterim, Amanda subira ao deck,
exibindo as curvas perfeitas de seu corpo realçadas pelo biquíni
rosa–choque enquanto se deslocava em direção aos jovens.
– Eu
não acredito que vocês três vão continuar aí sem fazerem nada ao
invés de curtirem essa água deliciosa conosco!
– É
o que pretendemos, Amanda, mas existe um probleminha. O “trânsito”
está tão intenso na piscina que nós estamos aguardando a
“liberação do tráfego” para podermos mergulhar. – Raquel
justificou com a piada, esbaldando–se numa risada compartilhada por
Bianca.
De
súbito, Amanda lançou o seu olhar para Christian que se encontrava
deitado ao lado das jovens e lendo um livro de histórias cujo
conteúdo narrava sobre os derradeiros dias do continente perdido de
Atlântida. Num gesto de indelicadeza, ela arrancou o livro das mãos
do rapaz e agarrando–lhe pelo braço, logo o forçou a acompanhá–la
para o seu total espanto.
– Amanda...
Para onde estás me levando? Essa área da
piscina
onde vocês estão se banhando é muito profunda e eu não sei nadar
direito.
– Não
seja por isso, Christian. Venhas comigo que o Vinícius irá te
ensinar alguns truques básicos da natação. – disse ela, já o
conduzindo com a água cobrindo a sua cintura.
– E
para começar, tires estes óculos. Senão eles vão acabar caindo no
fundo da piscina. –Vinícius lhe avisara em voz alta.
Nem
foi preciso para Christian acatar esse pedido porque Amanda se dispôs
a retirar as lentes diante dos seus olhos e em seguida depositá–las
sobre o deck.
Erguendo as costas da espreguiçadeira, Raquel acompanhava tudo o que
sucedia com apreensão porque sabia que o namorado nunca se dirigiu
para além da parte rasa daquela piscina. No início da “aula”,
Vinícius segurava o seu corpo enquanto lhe pedia para realizar
alguns movimentos com o objetivo de exercitar a sua coordenação
motora.
– Mexas
os braços e as pernas com mais velocidade agora, Christian. Rápido!
– ele ordenou, submetendo o rapaz à um esforço extra.
– É
isso aí, Christian! Continuas assim que tu irás conseguir, meu
querido! – Amanda vibrava como se o rapaz estivesse participando de
um evento esportivo.
Mesmo
contra a vontade, Christian fazia o que a sua capacidade física
poderia suportar dando sucessivas braçadas na água além de
trabalhar o músculo das pernas.
– Muito
bem, cara. Parece que tu aprendeste rapidinho. Te preparas que eu
irei soltá–lo agora.
Depois
de abandonar o seu corpo de forma gradual, Vinícius nadou em direção
à Amanda que o recompensou com um beijo ardente nos lábios. Ele
estava tão convencido do cumprimento de sua missão que o seu maior
interesse naquele momento era deliciar-se com os encantos da namorada
enquanto Christian, sozinho no meio da piscina, tentava de todas as
formas possíveis sair do mesmo lugar até o cansaço lhe pregar uma
peça devido ao grande esforço exigido.
– Vinícius...Me
tiras daqui... Eu não estou conseguindo...
– Qual
é, Christian? Eu te ensinei direitinho as “manhas” da natação
e agora tu terás que te safar por conta própria, entendeste? –
avisou–lhe Vinícius num tom sarcástico. – Se eu aprendi a nadar
na maior moleza, isso quer dizer que tu poderias muito bem desafiar
os teus próprios limites.
– Por
favor, Vinícius! Não estás percebendo que o Christian está quase
afundando? Ele realmente não está conseguindo nadar e se tu não
fizeres alguma coisa logo poderá acontecer uma tragédia. Eu estou
falando sério, Vinícius! – gritava Raquel, sentindo–se
impotente diante do desespêro do namorado.
– Parece
que ele não tá conseguindo mesmo, Vinícius. É melhor tu tirá–lo
rapidamente da piscina. – Amanda também reconheceu a sua
dificuldade.
– Está
bem! Está bem! Já vi que esse cara nunca se interessou em virar
peixe uma vez na vida.
Atendendo
as súplicas, Vinícius nadou até a parte central da piscina para
socorrer Christian e conduzí–lo à margem quase desmaiado e
ofegante. Preocupadas, Raquel e Bianca correram para ajudar o rapaz a
subir ao deck. As duas puxaram seus membros com firmeza e acompanhado
da namorada, Christian se deslocou até o vestiário. Passado o
momento de tensão, Bianca dirigiu–se ao inconseqüente casal de
namorados.
– Vocês
não deveriam ter feito aquilo. Ele poderia ter se afogado.
– A
gente só estava a fim de se divertir um pouco com o cara, Bianca.
Não fizemos por mal. – Vinícius justificou.
Tão
logo a garota se afastou, eles continuaram a gastar as energias na
piscina como se nada tivesse ocorrido.
Acometido
por uma ligeira tontura, Christian fôra conduzido pelas jovens para
a imensa varanda com o piso forrado de ladrilhos. Quando chegaram no
local, Bianca sugeriu acomodá–lo numa rede preguiçosa e em
seguida mandou providenciar um copo de água. O rapaz não parava de
tossir e ainda trêmula por causa do incidente, Raquel agachara–se
ao seu lado a fim de prestar–lhe os devidos cuidados.
– Não
seria melhor chamar um médico?
– Obrigado,
Bianca, mas creio que não será necessário pois eu já estou
conseguindo respirar melhor.
– Eu
nunca vi uma brincadeira tão estúpida e de tamanho mau gosto.
Sinto–me revoltada. – disse Raquel.
– E
por muito pouco poderia ter ocorrido algo pior, se o Vinícius não
tivesse socorrido o Christian a tempo. – Bianca acrescentou.
– Tudo
bem, meninas, vamos esquecer o que passou. Eles podem ter exagerado
na brincadeira, mas eu relevo numa boa. Às vezes tomar um susto é
necessário quando se trata de sair um pouco da rotina. – Christian
comentou num tom humorado.
– É
impressionante esse teu jeito tranqüilo mesmo depois de passar por
um sufoco como aquele. Por isso que eu te amo e te adoro cada vez
mais. – Raquel confidenciou, beijando–lhe rapidamente os lábios.
Mas
Christian queria provar um pouco mais do sabor desse beijo, fazendo a
cabeça da namorada se aproximar do seu rosto ao envolver de forma
delicada a mão esquerda na sua nuca descoberta. Afagando–lhe os
cabelos curtos e vermelhos, o rapaz fazia questão de demonstrar a
sua imensa paixão pela jovem. Enquanto testemunhava essa doce e pura
harmonia, Bianca sentira uma enorme solidão assim que a lembrança
de Alex viera novamente à tona. Sem falar que, dentre os jovens
presentes, ela era a única que estava sem uma alma gêmea que
pudesse lhe transmitir as mais diversas emoções. Para não
atrapalhar a intimidade do casal, Bianca virou as costas e os deixou
a sós quando Christian, ao vê-la se afastando e como se adivinhasse
os seus pensamentos, chamou–lhe a atenção.
– Que
tal se tu fores acompanhar a Raquel para um passeio à cavalo pela
fazenda, Bianca? Hoje está fazendo um excelente dia e garanto que
essa minha guria não vai ficar muito tempo sem fazer o que mais
gosta.
– Como
assim, Christian? Tu estás querendo que eu vá... Mas tu não
precisas de mim? – Raquel questionava, demonstrando surpresa.
– Não
tem nenhum problema, amor. Creio que ainda irá demorar para me
recuperar totalmente dessa sensação de cansaço, mas isso não
significa que tu terias que abrir mão do teu lazer por minha causa.
– Bom,
realmente eu devo admitir que está fazendo uma bela manhã para uma
cavalgada, mas a decisão de me acompanhar ou não à este passeio
fica a critério da Raquel. – Bianca opinou sem querer se
intrometer.
Depois
de pensar brevemente, no final a jovem terminou por acatar a sugestão
do namorado.
– Está
bem, Christian, tu tens razão. Eu mesma vivia te dizendo que andar
de cavalo era o meu programa favorito nesta fazenda. Tchau, amor, se
pintar algum problema, é só tu falares com a Mirna, está OK?
– Podes
ficar tranquila, querida. Aos poucos eu já estarei me sentindo mais
disposto.
Minutos
depois, as duas jovens caminhavam juntas através de uma trilha
pavimentada com lajotas que se estendia ao longo do declive e que
terminava no estábulo.
– Não
me sai da cabeça aquele risinho maldoso do Vinícius enquanto o
Christian se debatia como um louco na piscina. Por um momento eu
pensei que ele desejava o pior ao meu namorado e desconfio que a
principal razão dessa birra seria o fato da Amanda estar sempre lhe
paparicando. – Raquel concluiu. – Eu não nego que também
sinto ciúmes quando vejo o Christian com aquela guria, mas não
chegaria ao ponto de deixá–la se afogar na piscina de propósito
caso a situação fosse outra.
– Se
fosse o Christian, eu tomaria cuidado e ficaria o mais distante
possível da Amanda para evitar atritos desnecessários.– Bianca
observou. – Digo isso porque certa vez eu peguei o Vinícius lhe
fitando de uma maneira tão atravessada que me assustou, como se
pretendesse puxar briga. Apesar do seu temperamento difícil, ele
nunca criou qualquer problema desde que começou a frequentar essa
fazenda com a Amanda por sugestão dos meus pais. Mas para dizer a
verdade, eu costumo convidar os dois em retribuição ao favor que
estão me fazendo em manterem sigilo sobre os meus encontros com o
Alex. O Vinícius pode até ter mil defeitos, mas eu gosto dele por
ser irreverente como o meu namorado.
Após
subirem no lombo dos dois cavalos de raça com seus pêlos brilhantes
e caprichosamente escovados pelos empregados da fazenda, elas logo
partiram em direção aos vastos campos. À medida que cavalgavam,
puderam contemplar a paisagem representada pelos límpidos riachos
existentes e pelos parreirais no horizonte. Encantada com a beleza
bucólica do lugar, Raquel voltou–se para Bianca quando pudera
notar a sua expressão melancólica.
– Eu
nem preciso adivinhar o que se passa nessa tua cabecinha. Aposto que
tu continuas pensando no Alex.
– É
o que vivo fazendo com frequência. – Bianca respondeu enquanto
segurava as rédeas de seu cavalo de estimação. – Não sei se é
impressão minha, mas eu sinto que o Alex anda muito diferente
comigo, como se estivesse me evitando. Seria mais fácil culpar os
afazeres no hospital que vem tomando a maior parte de seu tempo
livre, só que eu não tenho certeza se o motivo é realmente esse. É
muito complicado tentar entender como funciona essa rotina dos
profissionais da saúde e às vezes me bate uma dó danada do Alex
pelo fato de não poder usufruir de algum descanso. Mas em
compensação, o que me enche de esperança é que eu terei a chance
de poder vê–lo ainda hoje na fazenda.
– Eu
me coloco no teu lugar e posso compreender muito bem o que tu estás
sentindo. – Raquel afirmou, sensibilizada. – Imagino que para ti
deveria ser um tremendo suplício saber lidar com uma situação como
essa. Mas por outro lado, já paraste para pensar na angústia que o
Alex também sente por não poder falar contigo devido às inúmeras
obrigações que teria de cumprir naquele hospital? Afinal, um
funcionário da saúde precisa estar sempre disponível durante as
vinte e quatro horas do dia para atender à uma eventual emergência
médica e não é nenhum segredo que a vida deste tipo de
profissional é bastante corrida. Que o diga a minha irmã que também
faz parte do “time”!
– Fico
preocupada só de imaginar o tamanho do stress que o Alex deveria
estar se submetendo, ainda mais em se tratando de um enfermeiro mal
remunerado que vive subordinado às ordens dos médicos graduados e
mais experientes. Apesar das dificuldades, as pessoas que exercem a
profissão do Alex precisam demonstrar muito equilíbrio para não
sucumbirem à pressão. Confesso que essa foi a característica que
mais me atraiu nele, que me faz amá–lo loucamente. Mas as
circunstâncias me obrigam a reconhecer às duras penas que ser
sentimental demais também tem o seu preço. – Bianca concluiu,
desanimada.
– Sabes
qual é o teu problema? Tu estás sofrendo de uma carência afetiva
muito típica das gurias cujos namorados sempre se encontram ausentes
por motivos profissionais. Como tu acabaste de dizer, esse é o preço
que se paga em nome do amor. Mas isso não é o fim do mundo e se
queres o meu conselho, Bianca, esqueças o Alex nem que seja um
pouquinho e procures te distrair com essas paisagens de tirar o
fôlego.
Metade
da propriedade, considerada uma das maiores da região, estava tomada
pelos parreirais que se estendiam até a cerca que delimitava a área.
Vários trabalhadores se ocupavam com a colheita das uvas e para
atender à curiosidade das duas amigas que vieram inspecionar
informalmente a atividade, um empregado exibia orgulhoso o seu cesto
repleto de cachos. Quando faltavam poucos minutos para o meio–dia,
elas retornaram para a sede da Fazenda Santa Rita de modo que as suas
faces apresentavam–se avermelhadas pela exposição aos raios
solares e umedecidas pelo suor.
– Este
passeio valeu a pena. O ar puro desse lugar faz–me sentir renovada.
– Raquel confidenciou com um sorriso de satisfação ao descer do
lombo do animal. – Vou aproveitar e dar uma olhada no Christian. Tu
poderias guardar o meu cavalo para mim, Bianca?
– Tudo
bem. Podes deixar por minha conta.
Os
dois cavalos de raça foram conduzidos para as baias pela jovem
garota que em seguida lhes oferecera ração à base de proteínas,
um hábito que sempre tivera prazer de praticar desde criança. Com
as mãos prendendo os cabelos úmidos, Bianca já subia a trilha de
lajotas em direção ao casarão. Mas durante o trajeto, as suas
atenções foram atraídas por uma algazarra e após deslocar–se
alguns passos mais à frente, pudera perceber que se tratava de uma
discussão acalorada. No momento em que virou o rosto para o suntuoso
jardim no seu lado esquerdo, ela descobriu as figuras deVinícius e
Amanda bem próximos a um antigo chafariz e que por sinal, estavam
com os ânimos bastante exaltados.
“Essa
não! De novo?”, Bianca murmurou, fazendo uma careta.
Praticamente
se transformaram numa rotina os desentendimentos entre o casal de
namorados durante os encontros na fazenda e enquanto testemunhava o
incidente, a jovem podia divisar a expressão odiosa de Vinícius que
levantava os seus braços para cima de forma descontrolada. Por sua
vez, Amanda apontou um dedo acusador e proferiu palavras de baixo
calão ao rapaz que irritado, a esbofeteou. Apreensiva, Bianca ainda
ouvira Vinícius chamar de traidora a namorada que gritava e batia
com os punhos fechados contra o seu tórax.
– Eu
te odeio! Eu te odeio, seu cachorro!
Para
conter a fúria de Amanda, ele agarrara seus braços com firmeza. As
discussões recomeçaram e em meio à essa guerra de nervos, Bianca
mal conseguia acompanhar as suas falas rápidas. Apesar de ficar
impressionada com a violenta briga que fôra motivada por ciúmes,
Bianca decidiu não intervir e voltou a caminhar até o casarão.
Não
muito longe dali, mais precisamente além dos domínios do grande
jardim, existia um bosque com mata fechada. Escondido entre as suas
plantas, uma figura não identificada parecia espionar os jovens.
Essa mesma figura permaneceu imóvel durante um certo tempo até que
finalmente se afastou, provocando um intenso barulho nas folhagens
enquanto se embrenhava no interior da abundante vegetação. Quem
seria? O que estaria fazendo nas redondezas?
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